quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Gentlemans nordestinos


Essa é uma história verídica. Nada tem de delírios e fantasias de contos  coloridos. Mesmo sendo intitulada como fada, não sou carochinha. Quando não for escrita uma história e sim uma estória, faço questão de deixar explícito, combinado?
Sei que nos tempos atuais, a bondade humana é coisa rara, mas não impossível. E essa é a prova disso.
Estava trabalhando num lugar que muito me entristecia e por isso buscava avidamente uma nova oportunidade de trabalho. Foi quando fui chamada para fazer uma entrevista numa empresa bastante conhecida. Iria secretariar a diretoria dessa empresa! Era uma excelente oportunidade de dar um up na minha vida profissional.
Não pensei duas vezes quando respondi sim ao telefonema da Bridgestone & Firestone, questionando se eu compareceria. Não pensei quanto aos 45 km de distância que percorreria (a fábrica está instalada em outra cidade), não pensei que a previsão do tempo acusava fortes chuvas nos próximos 3 dias, não pensei que estava sem carro e teria que ir de ônibus num lugar completamente desconhecido, não pensei que eu teria que sair de casa muito cedo mediante o horário estipulado pela empresa... não pensei em nada! Apenas confirmei a minha presença e fui.
Estava escuro ainda quando saí de casa debaixo de chuva, em direção a estação de ônibus. Lembro que estava bastante elegante, tinha realmente caprichado no visú. Estava o esteriótipo aparente da secretária perfeita: tailleur sóbrio e muito alinhado, scarpin elegante combinando com a bolsa, os cabelos muito bem penteados, make discreto em tons terra, bom perfume na dose exata.
Apesar de estar chovendo horrores, sentia muito calor, pois o ônibus estava cheio e tudo fechado.
Depois de muito chacoalhar, cheguei ao meu destino. Fiquei assustada por constatar que a fábrica ficava no meio do nada, circundada apenas por mato e no meio dele, uma pista de alta velocidade. Me vi ali, no encostamento. Entreguei, mais uma vez, minha vida a Deus.
Procurei entrar rapidamente e fiz a entrevista, onde fui "gentilmente" descartada porque a empresa estava priorizando pessoas daquela cidade.
Um pouco decepcionada, tentei me convencer, enquanto procurava a saída daquela imensidão, balbuciando baixinho: "sem problemas, serve como experiência, Dona Flávia". Olhei para fora com um ar de questionamento e me dirigi a recepcionista, perguntando se ela sabia aonde ficava o ponto de ônibus para Salvador. Ela respondeu, friamente, com um ar meio irônico: "ponto de ônibus? aqui não tem não! se você quiser, tem que ficar aliiiii na estrada para o ônibus passar quando bem entender!" Ok, ok... lá vou eu.
A essa altura a chuva havia engrossado, e eu corria feito louca tentando alcançar o canteiro central, para finalmente chegar ao outro lado da pista. Entre os vrummmmmmmsss... dos carros e caminhões em alta velocidade, buzinando, alguns gritando "gracejos ridículos", fui depressa para o canteiro próximo ao encostamento. Depois que pisei, percebi que estava com os dois pés fincados na lama arenosa até o tornozelo.
PQP! Quase que os meus sapatos ficavam por lá! Consegui tirar os pés e senti o peso de duas botas formadas pela lama.
Quando estava caminhando em direção a um pequeno córrego de água enlameada para tirar o excesso da sujeira, percebi uma caminhonete pequena e muito, muito, muito velha com adesivo escrito MAP na porta. Dentro dela avistei um homem fardado e o motorista que, com um forte sotaque nordestino, falou: "ei, moça... a senhora tá precisando de ajuda? se eu fosse a moça não ficava aqui não... isso é área de desova... estamos indo pra Salvador... quer ir com a gente?" Olhei para os lados, o coração acelerado, não via ninguém. Sem alternativa e como por impulso, adentrei no veículo.
Foi uma das melhores decisões que tomei na vida!!! Talvez se ali ficasse, nem estaria aqui para contar essa história.
Acreditem, esses rapazes me respeitaram tanto, do começo ao fim! Viajei entre os dois, e percebia que eles se espremiam para não me constranger ao encostar muito em mim. Um deles tinha aparência de "Salsicha do Scooby"!!! Além disso, lembro que era fanho e não tinha os dentinhos da frente. O outro era comum, sem nenhuma característica atenuante. Disparei a conversar, a contar o porque de estar ali. Apesar de serem aparentemente sem instrução, eram gentis demais! Pararam num posto de gasolina, lavaram os meus pés (com as próprias mãos!), me levaram para fazer um lanche no Rei da Pamonha (fizeram questão de pagar!), rimos de muitas histórias e das atrapalhadas do mocinho fanho.
Finalmente, fui deixada na porta da minha casa, sã e salva, pelos dois desconhecidos. Cheguei a conclusão que ainda existe muita gente boa nesse mundo, graças a Deus.
A diferença entre a recepcionista e os rapazes não está na região oriunda (mesmo porque todos nós somos nordestinos), nem na classe social, nem na cor da pele, do cabelo, ou da aparência eloquente da garota que contrastava com a "fanhisse" do meu amiguinho desdentado. A diferença está na nobreza do caráter, na bondade, na preocupação e no cuidado com o semelhante.
Ainda assim, confesso que me orgulho em ser brasileira, principalmente por ser do nordeste e fazer parte de um povo batalhador e sofrido, que, em geral, surpreende com a cultura peculiar regional e por não perder os valores humanos, mesmo mediante os mais variados contrastes socias.
Naquele dia, reafirmei o meu pensamento de que corações simples trazem guardados indescritíveis riquezas!


Queria muito ter levado adiante tais amizades. Porém, mesmo deixando meus contatos para poder retribuí-los com uma recompensa financeira em momento mais oportuno, eles jamais me procuraram novamente. Desapareceram, como verdadeiros anjos de Deus.

Essa foto não é minha. Peguei na internet. 
A pista de ônibus (onde fui deixada e supostamente pegaria o transporte) é a direita da bifurcação (em frente a placa a esquerda, com a logomarca da fábrica)

10 comentários:

  1. O bom caráter e esta no coração das pessoas.Bbelo exemplo e de solidariedade.

    Bjs.

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  2. Olá Fadinha
    Deu sorte, de encontrar duas almas boas. Quanto ao povo nordestino, estive em Aracaju em outubro,e fiquei encantado com a cidade e sobretudo com a gentileza de sua gente. Educados, simpáticos, amáveis. Tudo de bom. Amei.
    Bjux

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  3. Ai, teria medo de pegar a carona, mas tem horas que realmente a gente se ve sem saida. Beijos

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  4. Poxa amiga, foi a mão de Deus mesmo,ele enviou esses dois anjos para te ajudar!Adorei a forma que vc escreveu! Beijos e estava com saudades de vc que é minha amiga flor!

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  5. Oi Fadinha!
    A diferença estava mesmo no coração, não no bolso e nem na cabeça.
    Em todos os lugares ainda existe gente assim, apesar de ser cada vez mais difícil encontrar.
    Abraços!!

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  6. ai guria chorei quando li o seu post, juro, fico pensando na sua coragem e no seu anjo da guarda que te fez subir no carro, e foste recompensada com um presente em forma de anjos humanos, lindo saber que isso existe,vc tem razao, não e a raça, cor, etnia, e sim CARATER e um bom carater...fé tudo ainda tem jeito..

    beijos menina

    fe

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  7. Bom dia Flavia!

    Fadinha ao ler este seu texto, fiquei aqui a lember das palavras de mainha. Diz ela, filhos apesar de vivermos em um mundo cruel, Deus jamais abandona quem é fiel a ele. E neste seu caso ele nos provou isso. Mandou dois anjos em forma de homens simples, para provar a nos que ele esta aonde menos esperamos.

    Uma abraço amiga e até +

    Jota

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  8. Olá Dona Flávia!

    Saber reconhecer as virtudes do próximo é maior virtude ainda. Que bom que sua história terminou bem.

    E você tá escrevendo bem, hein, menina!
    Texto gostoso de ler, envolvente.

    Parabéns!
    (Eu gosto demais daqui, linda!)
    Beijos!

    Beijos

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  9. Hua, kkk, ha, ha, você arrematou com algo que eu ia perguntar, será que não eram?

    Nem sempre Deus aqueles da ordem celestiais, mas algumas vezes alguns seres humanos fazem o papel de anjos, isto que eu penso que seja o caso.

    Fique com Deus, menina Fadinha.
    Um abraço.

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  10. Flávia

    Que situação e sim que bom Deus colocou dois anjos para te salvar.
    Fiquei emocionada lendo o seu post e como sou uma medrosa só tenho que tira o chapéu para este Nordeste e para nós brasileiros.

    Beijos

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